“Todo o meu lucro vai de imposto“. Essa é uma frase que ouvi muitas vezes (principalmente, durante os cursos).
O termo “imposto” representa todos os tributos. É normal chamarmos de “imposto” as contribuições, taxas e o próprio imposto. Não vou discutir terminologia e, sim, conceitos.
Para a formação de um preço, é necessário o conhecimento de todos os custos e despesas, a margem de contribuição desejada e os tributos relativos à venda. Considerando que os “impostos” devem compor o preço de venda, não é possível o “lucro ir de imposto”.
Assim, para quem me fala que “todo o lucro vai de imposto”, eu respondo “não estão sabendo fazer o preço de venda”. Isso é uma falha nas contas. A solução é consultar um profissional de contabilidade de confiança, que poderá auxiliar no entendimento da tributação e na forma correta de custeio.
Não fazer as contas antes de emitir uma opinião é uma atitude leviana. E uma decisão tomada sem o conhecimento necessário pode ser perversa.
Presenciei um fato marcante por causa disso.
Em 2008, tivemos um grande aumento na lista de mercadorias sujeitas à aplicação da substituição tributária do ICMS. Isso ocorreu porque a norma do Simples Nacional estabeleceu que o recolhimento do ICMS retido por substituição seria feito fora do regime simplificado (colocaram quase tudo na substituição tributária: pilhas, baterias, discos, colchões e travesseiros, instrumentos musicais, brinquedos).
Nessa época, todo mundo resolveu (ou foi obrigado) a aprender fazer a substituição tributária. Eu apresentava cursos semanais com até 80, 100 participantes. E havia semana em que havia mais de um curso em instituições diferentes. Curso mesmo! Presencial, 8 horas de aula, calculadora, fazendo contas, preenchendo modelo de formulário de Nota Fiscal (e ouvindo um monte de reclamações …).
Em um desses cursos, no Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, um senhor veio falar comigo no horário do intervalo do café da tarde.
Ele me disse que era dono de uma empresa de pequeno porte, que estava no Simples Nacional, e que tinha um cliente, um grande varejista, que representava mais de 80% do faturamento da empresa dele.
Ele tinha vindo para o curso para entender o que era a substituição tributária. O contador dele havia mostrado como emitir a Nota Fiscal, mas, ele viu que teria que cobrar o valor ICMS retido por substituição do cliente.
Ocorre que o cliente disse que eles não iriam aceitar a cobrança da substituição tributária e exigiu que esse empresário concedesse um desconto financeiro do valor do ICMS que seria retido por substituição, caso contrário, eles não comprariam mais da empresa dele. Ele disse que não poderia fazer isso e que iria “quebrar”.
Ao falar isso, esse homem começou a chorar na minha frente. E eu fiquei sem saber o que fazer. Eu só podia explicar para ele o funcionamento da substituição tributária. A questão é: o grande varejista estaria interessado em entender o funcionamento da substituição tributária e reconsiderar?
Como funciona a substituição tributária? O contribuinte na condição de substituto calcula e recolhe o imposto que seria devido pelo contribuinte substituído e, consequentemente, o substituído não precisa recolher o imposto quando fizer a saída das mercadorias.
Ou seja, o grande varejista queria obrigar o fornecedor do Simples Nacional a recolher o ICMS para ele … e sem pagar por isso.
Não sei como esse caso acabou, mas, a partir daquele dia, eu passei a ter um olhar mais crítico sobre essa relação carga tributária e preço. Não é só ver um número e sair falando que houve aumento, que é contra e ponto final.
É preciso verificar o contexto e entender o “porquê” das coisas. E não podemos fazer comentários sem validar a informação, pois, há um “exército de repetidores de meias verdades” de plantão. Principalmente, se houver alguma possibilidade de ser algo negativo. Um exemplo disso é o IVA de 27% ser o maior do mundo.
Há pessoas que somam as alíquotas dos tributos e dizem que essa é a carga tributária da operação. Se uma venda tem 18% de ICMS, 1,65% de PIS e 7,6% de COFINS, a carga tributária é de 27,25%? Não é!
E por que não é? Porque esses tributos são calculados por dentro do preço e integram a própria base de cálculo. Se o empresário calcular o seu custo, com a sua margem de lucro, e incluir 27,25% de tributos para chegar no seu preço de venda, sabe o que vai acontecer? “O lucro vai de imposto”!
Vamos calcular?
Valor do custo + lucro do empresário: R$ 1.000,00
“Carga tributária” de 27,25%: R$ 272,50
Preço de venda: R$ 1.000,00 + R$ 272,50 = R$ 1.272,50
Calculando os tributos:
ICMS: R$ 1.272,50 X 18% = R$ 229,05
PIS: R$ 1.043,45 X 1,65% = R$ 17,22
COFINS: R$ 1.043,45 X 7,6% = R$ 79,30
No recolhimento dos tributos:
R$ 1.272,50 – R$ 229,05 – R$ 17,22 – R$ 79,30 = R$ 946,93
Qual era o valor que o empresário esperava ter? R$ 1.000,00.
Então, a carga tributária não é 27,25% e, sim, 34,382%.
E o preço de venda deve ser R$ 1.343,82.
Calculando os tributos (de novo):
ICMS: R$ 1.343,82 X 18% = R$ 241,89
PIS: R$ 1.101,93 X 1,65% = R$ 18,18
COFINS: R$ 1.101,93 X 7,6% = R$ 83,75
No recolhimento dos tributos:
R$ 1.343,82 – R$ 241,89 – R$ 18,18 – R$ 83,75 = R$ 1.000,00
A carga tributária é de 34,382% porque o cálculo é por dentro.
Com a Reforma Tributária, poderá ocorrer aumento de carga tributária, bem como, poderá ocorrer diminuição de carga tributária. E não podemos esquecer que o tributo tem uma função social. Poderíamos comentar a respeito disso, mas seria uma discussão longa.
Voltando ao IVA, então, 27% não é o “maior IVA do mundo”. Nós já temos “IVA” maior. (É claro que eu utilizei uma situação pior para não ficar sem argumentos …).
E há outras situações.
É sobre isso que eu falo no livro “Transição do ICMS para o IBS – Ponto de atenção: Preços“. Não são abordados apenas o ICMS e IBS. São comentados o ISS, o PIS, a COFINS e CBS, também. É uma reflexão sobre o tratamento dos preços no processo de transição que vamos ter até 2033.
E já vamos resgatando os que estão perdidos pelo caminho e calculando o preço de venda incorretamente.
Há duas pessoas que são, digamos, “culpadas” pela publicação desse livro:
Uma delas é o meu preclaro colega nas lives do Grupo de Tributos e Obrigações, do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, o Sr. Aparecido Diniz, com quem estou fazendo uma análise dos aspectos mais práticos da reforma (o tratamento dos créditos e a contabilização, por exemplo), desde o final do ano passado, e que adorou quando eu lhe apresentei esse tema.
A outra pessoa é o Prof. Lourenço da Mata, que concorda com a minha opinião sobre a importância da precificação para o sucesso de uma atividade empresarial e apoiou, desde o início, esse projeto.
E aí está o nosso livro!
Que venha a Reforma Tributária!