Olá, caros membros da Rede Conhecimento Fiscal!
A PEC 45/2019 será promulgada nesta quarta-feira, 20/12/2023. É a nossa reforma tributária. Não é a melhor reforma tributária, como muitos já disseram, mas, é a que foi possível fazer.
Eu já ouvi muitas vezes (de empresários, gestores, contadores e etc.) em cursos e eventos: “Todo o nosso lucro vai de imposto“. O “imposto”, aqui, são os tributos. As pessoas costumam generalizar.
E eu sempre pensei (e nem sempre dava para falar, né …): “Não estão sabendo fazer o preço“.
O fato é que a situação não é tão simples. Os tributos devem ser considerados na formação do preço, é claro. Mas, há outros fatores em questão. É necessário avaliar o mercado em que a empresa está inserida, o ramo de atividade e o tipo de concorrência (não vou mencionar a administração dos custos, pois, essa é uma etapa anterior – mas, não deixa de ser importante).
Acompanhei a votação da PEC 45 no Senado e a revisão na Câmara, no dia 15, e ouvi muitos parlamentares afirmarem que o IVA de 27% seria o maior do mundo e etc.
Ocorre que o IVA será calculado por fora. Não vai integrar a própria base de cálculo. Assim, se a mercadoria custar R$ 100,00 e houver um IVA de 27%, o valor a ser pago pelo comprador é de R$ 127,00.
Desse valor, R$ 100,00 vai ficar com o empresário e R$ 27,00 vai para o Fisco (Federal, Estadual e Municipal). Deverá ser assim, não é?
Para sabermos se esse percentual de 27% será muito alto ou não, é necessário fazer as contas para saber qual é a carga tributária efetiva na operação.
Nos meus cursos básicos (de faturamento ou de emissão de Notas Fiscais) eu costumo dizer que “a carga tributária é o peso do tributo no valor da operação”. Mas, quando partimos do valor da mercadoria líquido, é necessário observar como o tributo será calculado.
No nosso exemplo do IVA, a carga tributária será de 27% do valor da mercadoria: R$ 100,00 X 27% = R$ 27,00. Ou seja, o empresário deve acrescentar 27% ao valor da sua mercadoria para chegar ao valor a ser cobrado do comprador.
Seguindo esse raciocínio, qual é a verdadeira carga tributária que temos hoje (antes da reforma tributária)?
Atualmente, o ICMS, o ISS, o PIS e a COFINS são calculados “por dentro”. O que isso significa? O tributo integra a própria base de cálculo (e “o destaque é mera indicação para fins de controle“). Assim, a alíquota que vemos nos documentos fiscais (ou nos arquivos dos documentos fiscais) é a alíquota nominal e não a alíquota real.
Carga Tributária
Vamos demonstrar isso com um exemplo bem simples:
Vamos considerar apenas o ICMS, que tem a alíquota base de 18% em São Paulo.
Se o valor da mercadoria for R$ 100,00, teremos o ICMS no valor de R$ 18,00 e o valor total da Nota Fiscal será R$ 100,00.
Desse valor, quanto vai ficar para o empresário? R$ 100,00? Não!
O empresário terá que recolher o valor de R$ 18,00 para o Fisco e ficará com R$ 82,00.
(E o crédito do ICMS da entrada? Foi considerado no custo da mercadoria porque foi creditado na compra, certo?)
Se o valor que vai sobrar para o empresário é de R$ 82,00 e é recolhido o valor de R$ 18,00 para o Fisco Estadual, qual é a carga tributária efetiva? Para saber, é só dividir o valor do tributo pelo valor da mercadoria e multiplicar por 100 (para transformar em percentual).
Vamos calcular:
R$ 18,00 / R$ 82,00 = 0,2195121
0,2195121 X 100 = 21,95121%
Então, a carga tributária efetiva é de 21,95% porque o empresário precisa acrescentar 21,95% (arredondando) ao valor da sua mercadoria para ter o preço a ser cobrado do comprador.
Mas, não estamos falando apenas de ICMS. Temos que considerar o PIS e a COFINS, também (e o cálculo fica mais emocionante!).
Regime não cumulativo
Se a empresa estiver no regime não cumulativo para as contribuições do PIS e da COFINS (credita as contribuições de PIS e COFINS na entrada, nas condições da legislação), teremos as seguintes alíquotas (num exemplo básico):
ICMS: 18%
PIS: 1,65
COFINS: 7,6%
Considerando o preço de venda da mercadoria de R$ 100,00 e um IPI pela alíquota de 10% (só para atrapalhar …), temos os seguinte valores nos tributos:
1) Mercadoria destinada à industrialização ou à comercialização
ICMS: R$ 18,00 (R$ 100,00 X 18%)
PIS: R$ 1,35 (R$ 82,00 X 1,65%)
COFINS: R$ 6,23 (R$ 82,00 X 7,6%)
IPI: R$ 10,00 (R$ 100,00 X 10%)
Total da Nota Fiscal: R$ 110,00 (valor a ser cobrado do cliente).
O IPI é calculado “por fora”, então, temos que considerar apenas o “peso” do ICMS, PIS e COFINS na operação: R$ 18,00 + R$ 1,35 + R$ 6,23 = R$ 25,58 (esse é o montante dos tributos que estão dentro do preço da mercadoria).
Assim, o valor da mercadoria líquido é de R$ 74,42 (R$ 100,00 – R$ 25,58). E qual é a carga tributária? R$ 25,58 / R$ 74,42 = 0,3437248 X 100 = 34,37%.
2) Se a mercadoria for destinada ao uso/consumo
O IPI integrará a base de cálculo do ICMS e os números serão: R$ 19,80 (ICMS), R$ 1,32 (PIS) e R$ 6,10 (COFINS) = R$ 27,22. Carga tributária: R$ 27,22 / R$ 72,78 = 0,3740038 X 100 = 37,40%
Nesses dois exemplos, o “IVA” teria que ser de 34,37% ou de 37,40% para comportar a carga tributária que temos hoje.
Regime cumulativo
Se a empresa estiver no regime cumulativo para as contribuições do PIS e da COFINS (não credita as contribuições nas entradas), teremos as seguintes alíquotas (ainda num exemplo básico):
ICMS: 18%
PIS: 0,65
COFINS: 3%
1) Mercadoria destinada à industrialização ou à comercialização
ICMS: R$ 18,00 (R$ 100,00 X 18%)
PIS: R$ 0,53 (R$ 82,00 X 0,65%)
COFINS: R$ 2,46 (R$ 82,00 X 3%)
IPI: R$ 10,00 (R$ 100,00 X 10%)
Total da Nota Fiscal: R$ 110,00 (valor a ser cobrado do cliente).
Temos que considerar o “peso” do ICMS, PIS e COFINS na operação: R$ 18,00 + R$ 0,53 + R$ 2,46 = R$ 20,99 (esse é o montante dos tributos que estão dentro do preço da mercadoria).
Assim, o valor da mercadoria líquido é de R$ 79,01 (R$ 100,00 – R$ 20,99). E qual é a carga tributária? R$ 20,99 / R$ 79,01 = 0,2656625 X 100 = 26,57% (arredondando).
2) Se a mercadoria for destinada ao uso/consumo
O IPI integrará a base de cálculo do ICMS e os números serão: R$ 19,80 (ICMS), R$ 0,52 (PIS) e R$ 2,41 (COFINS) = R$ 22,73. Carga tributária: R$ 22,73 / R$ 77,27 = 0,2941633 X 100 = 29,42% (arredondando).
Nesses dois exemplos, o “IVA” teria que ser de 26,57% ou de 29,42% para comportar a carga tributária que temos hoje.
Segmento de Serviços
Para o segmento de serviços, o cenário fica complicado.
Regime não cumulativo
Considerando o valor do serviço de R$ 100,00, no regime não cumulativo e com as seguintes alíquotas:
ISS: 5%
PIS: 1,65
COFINS: 7,6%
Calculando os tributos, temos:
ISS: R$ 5,00 (R$ 100,00 X 5%)
PIS: R$ 1,65 (R$ 100,00 X 1,65%)
COFINS: R$ 7,60 (R$ 100,00 X 7,6%)
Total da Nota Fiscal de Serviços: R$ 100,00 (valor a ser cobrado do cliente).
Total dos tributos na prestação de serviços: R$ 5,00 + R$ 1,65 + R$ 7,60 = R$ 14,25 (esse é o montante dos tributos que estão dentro do valor dos serviços).
Assim, o valor líquido da prestação é de R$ 85,75 (R$ 100,00 – R$ 14,25) e a carga tributária é: R$ 14,25 / R$ 85,75 = 0,1661807 X 100 = 16,62% (arredondando). Somando as alíquotas, encontramos 14,25%, mas, o cálculo é feito por dentro, também.
Regime cumulativo
Considerando o valor do serviço de R$ 100,00, no regime cumulativo e com as seguintes alíquotas:
ISS: 5%
PIS: 0,65
COFINS: 3%
Calculando os tributos:
ISS: R$ 5,00 (R$ 100,00 X 5%)
PIS: R$ 0,65 (R$ 100,00 X 0,65%)
COFINS: R$ 3,00 (R$ 100,00 X 3%)
Total da Nota Fiscal de Serviços: R$ 100,00 (valor a ser cobrado do cliente).
Total dos tributos na prestação de serviços: R$ 5,00 + R$ 0,65 + R$ 3,00 = R$ 8,65 (esse é o montante dos tributos que estão dentro do valor dos serviços).
O valor líquido da prestação é de R$ 91,35 (R$ 100,00 – R$ 8,65) e a carga tributária é: R$ 8,65 / R$ 91,35 = 0,0946907 X 100 = 9,47% (arredondando).
Conclusão
Nas operações com mercadorias, o cenário não é tão assustador como muitos tentaram fazer crer. Inclusive, a “não cumulatividade ampla” pode trazer benefícios, sem dúvida. É claro que é necessário avaliar as diferenças de alíquotas e as situações especiais que podem existir.
Para o setor de serviços, sim, assusta (e bastante). Não é possível avaliar o benefício que a não cumulatividade pode trazer (e se consegue anular esse acréscimo na carga tributária que encontramos nesse raciocínio que fizemos). Só a regulamentação poderá esclarecer essa questão. Então, vamos ter que esperar.
De qualquer forma, temos que buscar um melhor ambiente de negócios para todos. E acreditar que a simplificação no cálculo dos tributos vai facilitar a verificação, por parte do empresário, do quanto há de tributos em sua operação (e não deixar que “todo o seu lucro vá no imposto”). Isso já será um ganho.
Tenho 62 anos e gostaria que o Universo me permitisse estar por aqui para ver como isso tudo vai ficar após a implantação completa do IBS e da CBS.
E como disse o nosso colega Aparecido Diniz em uma palestra que apresentou, no dia 11/12/2023, com o tema “Reforma Tributária – Aspectos Contábeis”: “Oxalá, que ela (a reforma tributária) venha recheada de bons direcionamentos …”.
Observação: Se eu tiver errado algum cálculo, por favor. me avise (problemas acontecem). Ou, se não entender algum deles, eu demonstro o cálculo.